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Como o Brasil se prepara para mudanças climáticas extremas?
Publicado em 17/07/2025 12:07
Notícias
Agência Brasil
Cidades gaúchas ficaram novamente alagadas após chuvas intensas em junho de 2025

 

Eventos climáticos extremos deixaram de ser exceções no Brasil e tendem a se tornar o "novo normal"no futuro. Dados do estudo Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, coordenado pelo Programa Maré de Ciência da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e pela Unesco, em parceria com a Fundação Grupo Boticário, os registros de  frentes frias mais intensas, secas prolongadas e enchentes devastadoras aumentaram em 250% no Brasil, entre 2020 e 2023. 

No Brasil, os efeitos são sentidos pela população, refém de eventos cada vez mais recorrentes.

Gabriel Assumpção, de 24 anos, viu a casa onde morava tomada pela água em meio ao que ele descreve como “a pior enchente da história” de Altricchibá, cidade do interior de Minas Gerais, em 2020. Em entrevista ao iG, o jovem, que se mudou para a região em 2018, conta que já havia ouvido relatos de inundações anteriores, mas nada se comparava ao que viveu em 2020.

“Desde que me mudei pra cá, os moradores falavam que entre janeiro e março as chuvas eram mais fortes e que o rio costumava encher, mas eram enchentes controláveis. Você conseguia levantar os móveis e continuar vivendo ali” , explica. Segundo ele, até então, as enchentes nunca haviam ultrapassado o nível da rua onde vivia, apesar de ser próxima ao leito do rio.

Ao iG, o climatologista  Jose Antonio Marengo, coordenador geral do  Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), explica que as mudanças climáticas são "democráticas": afetam a todos, independentemente da classe social ou partido político. No entanto, não é errado dizer que certos grupos são mais afetados do que outros.

"Talvez os países mais pobres, justamente os que menos emitem gases de efeito estufa, sejam os que estão primeiro na linha de impacto. Pessoas que vivem em periferias vulneráveis e expostas também são vítimas mais fáceis. As comunidades indígenas da Amazônia, por exemplo: se houver uma seca e o rio baixar, essas comunidades ficam isoladas. São as mais afetadas, as mais prejudicadas", diz.

Políticas e debates sobre o clima estão em pauta em eventos importantes, como a 17ª Cúpula do BRICS, realizada nos dias 6 e 7 de julho no Rio de Janeiro, onde os países discutiram desenvolvimento sustentável, transição energética e proteção ambiental. Outro encontro primordial sobre o tema será a COP30, marcada para novembro de 2025 em Belém (PA), que vai reunir líderes globais para discutir ações contra as mudanças climáticas e metas para reduzir as emissões de carbono.

Mudanças pelo aquecimento global

O aquecimento global intensifica as ondas de calor e de frio
James Day
O aquecimento global intensifica as ondas de calor e de frio

 

Segundo o meteorologista Celso Oliveira, da empresa Tempo OK, em entrevista ao Portal iG, a principal explicação no aumento dos eventos climáticos extremos está no desequilíbrio causado pelo crescimento na emissão de gases de efeito estufa, como o gás carbônico e o metano, que aprisionam mais calor na atmosfera.

"A Terra naturalmente perde calor com facilidade, mas estamos desequilibrando esse processo. Com mais energia acumulada, os sistemas meteorológicos ficam mais intensos" , explica Oliveira. Como resultado, há ocorrência de mais tempestades, ondas de calor severas e episódios de chuvas intensas.

As enchentes históricas que devastaram o  Rio Grande do Sul em 2024, causadas por um bloqueio atmosférico, ilustram os desafios criados pelo aquecimento global. Na ocasião, as frentes frias "estacionaram" sobre o estado, recebendo grandes volumes de umidade da Amazônia. Dias consecutivos de chuva intensa levaram rios como o Jacuí e o Guaíba a níveis históricos, alagando cidades e forçando milhares de pessoas a deixarem suas casas.

Um cenário semelhante ocorreu no Texas (EUA), na última segunda-feira (7). Ao iG, o meteorologista explicou que uma tempestade tropical em dissipação de nome Barry levou muita umidade do Golfo do México ao Estado, culminando em chuva muito intensa. Com o relevo acidentado do entorno do rio Guadalupe, a água subiu rapidamente, gerando cabeças d’água e destruindo o que havia pela frente.

No interior de Minas Gerais, durante a enchente que invadiu a casa do assistente de logística Gabriel Assumpção, o clima entre os vizinhos era de aparente tranquilidade. “Disseram que era praticamente impossível a água subir até a nossa rua. Na primeira noite, dormimos tranquilos. Acordamos e ainda não tinha subido”, relembra.

No segundo dia, os noticiários avisaram de mais tempestades. "Aí, a gente decidiu agir: levantamos o que deu, colocamos geladeira em cima da cama, e fomos pra casa de amigos. Ainda assim, não imaginávamos o que viria" , contou ao iG.

Naquela noite, a enchente rompeu qualquer expectativa. “A água não só chegou à nossa rua, como subiu um metro acima dela. Foi além de qualquer registro anterior. Foi assustador.”

Com a casa alagada e inabitável, Gabriel e a família perderam quase todos os móveis. "O que conseguimos salvar foi o que conseguimos colocar no alto. Além dos móveis, a estrutura da casa foi afetada. Tivemos que sair do imóvel, que era alugado" , relata.

Impactos nos países em desenvolvimento

Mudanças climáticas foram debatidos na Cúpula do BRICS
Isabela Castilho | BRICS Brasil
Mudanças climáticas foram debatidos na Cúpula do BRICS

 

Em um discurso feito na cúpula do BRICS, o presidente Lula alertou que os impactos da crise climática afetam com mais força os países do chamado Sul Global. Celso Oliveira reforça esse ponto, destacando que a maior vulnerabilidade não está apenas na geografia, mas também na capacidade de resposta.

"Não se trata só da intensidade do fenômeno, mas da falta de estrutura para lidar com ele. O furacão Catarina, que atingiu o Sul do Brasil em 2004, é um exemplo. Países com mais tecnologia e canais de comunicação poderiam ter evitado tantas perdas" , avalia Celso Oliveira.

Nos próximos anos, a tendência para o Brasil é de ondas de calor, secas e tempestades intensas mais frequentes. Apesar disso, as estações do ano devem manter suas características básicas, observa o especialista, mas os sistemas meteorológicos ficarão mais intensos.

"Na verdade, um dos indicadores de que o clima já está mudado é o presente. Ou seja, quando falamos de extremos, por exemplo, chuvas intensas que viram desastres, ondas de calor, ondas de frio, secas, furacões, tudo isso indica que o clima já está mudando, os modelos do IPCC falam de extremos mais fortes e intensos em todo o mundo", afirma Jose Marengo.

Para o especialista, as mudanças climáticas conseguem fazer o Brasil, em sua dimensão continental, virar um refém dos próprios desafios, como as atividades econômicas, que dependem da produção agrária, e o sistema de saúde público fragilizado.

Uma pessoa idosa e rica, que passa mal andando na praia de Ipanema por causa do calor, pode ir a um hospital particular. Mas uma pessoa idosa, mais pobre, vivendo numa área rural, muitas vezes não tem serviço médico por perto e pode morrer por causa disso", diz o climatologista.

O aumento da desigualdade impulsionado pelas mudanças climáticas pode ser apontado nos surtos de doenças como a dengue, por exemplo . A falta de infraestrutura, o aumento da temperatura e os desastres naturais deixam bairros mais pobres mais expostos a esses riscos, como no ano de 2024.

Marengo também ressalta os efeitos "invisíveis" da crise climática, como o dano à saúde mental da população. Desastres como as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul ou os deslizamentos de 2008 em Blumenau, por exemplo, deixam marcas profundas nas vítimas.

"Começa uma epidemia de depressão. As pessoas perderam suas casas, suas famílias... Colegas lá em Pelotas, pequenos empresários, se suicidaram porque perderam tudo e não conseguiam pagar as dívidas", relata.

"Fala-se no número de mortos, mas não se fala desses impactos que podem durar anos. Famílias que perderam seus entes queridos, por exemplo. Isso não está sendo estudado, mas são consequências reais dos desastres climáticos. E isso, podemos dizer, também faz mal pra sociedade, pra economia, pro sistema de saúde. Tudo está conectado", diz.

"Ou seja, se o problema já existe, a mudança climática pode piorá-lo. Não é ela que cria o problema, ele criado pelos humanos, mas a mudança climática agrava esses problemas", resume Marengo ao iG.

Para Gabriel, embora os alertas meteorológicos tivessem sido feitos com antecedência, ninguém esperava a dimensão da tragédia vivida por ele. “Foi um volume de água muito grande, como já tinha sido previsto, mas além disso teve tromba d’água, barragem na região que não resistiu... tudo isso somado resultou no que vivemos aqui.”

Políticas públicas

Enchentes atingiram Porto Alegre (RS), em 2024
GUSTAVO MANSUR/ PALÁCIO PIRATINI
Enchentes atingiram Porto Alegre (RS), em 2024

 

O desenvolvimento de políticas públicas é essencial para que a população não sofra com as mudanças do clima. O assistente de logística afirma que, na enchente, os moradores não foram pegos de surpresa pela chuva, mas sim pela falta de prevenção.

Para ele, o problema está na falta de planejamento por parte do poder público, principalmente em cidades pequenas do interior. “O que mais afeta a população não é a meteorologia, é a ausência de políticas públicas. O que a gente vê é sempre a mesma coisa: limpam o leito do rio, dragam um pouco ali pra melhorar o fluxo, e pronto. Não existe uma ação estruturada de prevenção” , observa Gabriel.

Para José Marengo, um dos maiores desafios do Brasil no combate às mudanças climáticas é a falta de integração e colaboração entre as esferas federal, estadual e municipal.

"Existe uma grande dificuldade em transmitir essas informações e políticas do federal para os estados e municípios, porque existe um certo ‘divórcio’ entre os poderes. Falta muita integração, colaboração entre governo federal e estados, muito motivado por questões ideológicas. Você pode ter os melhores pesquisadores e equipamentos no âmbito federal, mas se isso não chega efetivamente às outras esferas, o trabalho fica incompleto", diz.

Marengo diz que essas ações não podem ser algo que muda a cada governo.  "Muda o presidente, mas a política não pode mudar. Às vezes, é como se a gente avançasse num governo e depois voltasse para trás no outro", diz. Se isso continuar, o Brasil vai seguir "andando em círculos".

"Avança num governo, retrocede no outro. E o clima continua mudando. Não podemos mais perder tempo com isso, tem que haver continuidade", conclui.

 

Fonte :- https://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2025-07-17/como-o-brasil-se-prepara-para-mudancas-climaticas-extremas-.html

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